quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

"[...]Você não vê que êsse exemplo também não serve? Se você é simples você tem que contar uma pequena estória simples, de uma forma simples. Então vou começar: era uma vez um rato que tinha muita vontade de subir um muro. Muito bem, e depois? Êle tentava, tentava, mas o muro era muito alto e as pedras do muro muito lisas. Nas noites, êle ficava junto ao muro e levantava a cabecinha para ver se era possível a escalada. Era possível? Para dizer a verdade, não era, mas o rato não compreendia. E daí? Daí ele passou a vidinha inteira olhando para o muro e muitas vêzes êle dormia de cansaço, lógico, mas no sonho êle subia o muro. Aí era uma beleza, lá em cima tudo era maravilhoso, mas acontece que êle sonha todas as vêzes que dorme e depois de algum tempo o sonho torna-se angustiante porque êle já viu tôda a paisagem, há montanhas, rios, árvores, diferentes espécies de animais e êle sente que tudo isso é apenas uma pequena parte de um mundo nôvo, que devem existir outras coisas ainda mais belas e ai êle deseja... Ter asas? Não. Êle deseja, no sonho, que o muro fique mais alto, êle nem pensa em ter asas, minha querida, êle é um rato. Escute, você sabe que os animais têm alma? E que a alma de um animal quando se desprende do corpo vai para um lugar muito bonito e fica ali durante algum tempo, conforme a afeição do seu antigo dono? Como assim? Você tem um cão, êle morre, você não o esquece jamais e, nesse caso, êle ficará ali eternamente. Ali onde? Naquele bonito lugar. E no dia em que eu não me lembrar mais dêle? Êle se reencarna. Então é melhor que a gente se esqueça, assim o nosso cão terá a chance de uma nova vida. Não sei, não sei, eu acho que seria melhor que êle ficasse naquela espécie de limbo. Ah... é assim que você tem vontade de ser, não é? Você não quer lutar, você quer existir sob a proteção de uma memória, e ao mesmo tempo ficar no seu canto. Bela merda. [...]"

Hilda Hilst.

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