quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

"[...] Morreu do quê? De saudade. De tifo. As menininhas morrem muito de saudade e de tifo. Que idéia! Olha o retrato dêsse homem tão gordo, olha as palavras gravadas: saudades imensas, imorredouras, da sua espôsa e filhos. Êle devia ser rico, é tudo de mármore côr-de-rosa, vê, vê só o tamanho das estátuas de Jesus Maria José. O irmão pederasta disse: era um homem que fornicava às tardes nos bons bordéis da cidade, tinha um negócio de tecidos, não, de frigoríficos, dormia de cuecas e bôca aberta, rosnava para os lados assim que acordava, a mulher o traía em sonhos com o sócio da firma, à noite êle chegava limpando o rosto com o lenço, tirava os sapatos e tomava uma cerveja antes do jantar. A mulher dizia: então que fizeste? Êle respondia: gaste menos, gaste menos, o mercado não anda bom. Comiam em silêncio e algumas vezes na hora de fornicar êle batia nas coxas da mulher e repetia: gaste menos, coma menos, o mercado não anda bom. E as banhas dêle desabavam sôbre ela. Ela chorava de madrugada, pensava na mãe, naquele namorado frágil de camisa aberta no peito, e pensava também na casa onde ela morou quando criança, uma casa tôda azul, frente para o mar. Meu Deus, que estória horrível. [...]"

Hilda Hilst.

Um comentário:

carolina disse...

tá na lista. tá na lista. tá na lista ,)